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Wagner Ferreira: Os Subsídios na conta de luz, a Energia Solar, Distorções e Ilegalidades: 4 notas de uma mesma sinfonia

Por Wagner Ferreira

A energia elétrica é um bem de todos e para todos, como se fosse um grande condomínio de uso comum do povo. As definições do setor elétrico precisam resguardar e garantir isonomia, razoabilidade, qualidade, preço módico e continuidade a todos os usuários dos serviços públicos de energia elétrica. Esses são os pilares de um serviço nacional, guardado na constituição federal.

Mas estamos quebrando esse bem de todos e distorcendo suas regras, cometendo ilegalidades e disfunções e é esta a provocação que é posta à reflexão.

De maneira simples, de cada R$ 100 de uma conta de energia, R$ 45 cobrem insumos contratados para a energia chegar até você (geração de energia e transmissão de energia), R$ 25 de ICMS e tributos federais, R$ 12 de encargos setoriais e R$ 18 o serviço de distribuição dessa energia. E de onde vem os aumentos da sua conta de energia?

Todos esses custos que sinteticamente esbocei são regulamentados criteriosamente por lei e regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a quem cabe regular, aplicar e fiscalizar todas as atividades setoriais dentro do objetivo de zelar pelo equilíbrio das relações do setor elétrico e do atendimento adequado ao consumidor de energia.

Se há desequilíbrio em um desses componentes de custos, haverá impacto direto na conta do consumidor. Um dos fatores que podem provocar este desiquilíbrio são os encargos tarifários. Falemos, então, nessa etapa, sobre os subsídios, no setor elétrico, presentes nesses encargos, considerando, inclusive, os desafios tarifários de curto prazo.

Desde 2002 a conta de luz virou veículo para ancorar políticas públicas das mais variadas. Esse veículo é chamado de CDE, Conta de Desenvolvimento Energético (Lei 10438/2002). Em resumo, é uma conta que serviu inicialmente para custear políticas que permitem o desenvolvimento do setor elétrico, em tese. Apenas em tese. A CDE já custa R$ 25 bilhões aos consumidores de energia e o tesouro nacional não aporta mais valores na CDE por razões óbvias. A maior parte desta conta serve para custear políticas e setores econômicos específicos, como fontes incentivadas, consumidor rural, aquicultor, cooperativas de energia, carvão mineral, baixa renda, luz para todos e tantos outros.

O ponto aqui não é criticar se determinado segmento é ou não legitimado a receber estímulos ou vantagens. A questão aqui é: o consumidor de energia não pode ser onerado por políticas públicas transversais que não são revertidas ao desenvolvimento do setor elétrico.

Mas, infelizmente não para por aí. Muitos são os projetos de lei no Congresso Nacional que, direta ou indiretamente, impõe novos subsídios, distorções e custos indevidos ao consumidor de energia elétrica. E muitas vezes, por absoluta falta de dar voz aos agentes que detêm mais competência técnica para tratar sobre os temas, negligencia-se nos resultados das políticas e ações desejadas.

Atualmente, o mais falado e palpitante, e me permitam utilizar como exemplo de como as distorções ganham corpo, é o subsídio cruzado existente na chamada geração solar distribuída ou Mini e Micro Geração Distribuída, inicialmente estimulado pela Resolução 482/2012 da Aneel, e agora discutido no bojo de alguns projetos de lei do Congresso Nacional, como por exemplo, o PL 5829/2019 e o PL 616/2020.

Aqui há um modelo claro de distorção que causa sobrepeso nas contas de energia da maior parte dos consumidores em beneficio de uma minoria, pois aquele que instala geração distribuída recebe o incentivo, por resolução da Aneel, de não pagar os componentes tarifários de uso de sistemas elétricos e encargos, que devem, como regra geral ser pagos por todos os consumidores.

Esse modelo, aliás, foi objeto de detalhada análise do TCU que concluiu constituir política que cria subsídio cruzado entre consumidores de energia elétrica, de natureza regressiva em termos de distribuição de renda, o que tem pressionado a tarifa dos consumidores de menor poder aquisitivo e tornado menos onerosos os gastos dos consumidores com maior renda.

A partir de estruturado raciocínio, fundamentou o TCU que o atual modelo (a REN 482) é ilegal pois confere tratamento desigual (não isonômico) a consumidores de mesma classificação e que por essa razão a resolução da Aneel não poderia impor essa diferenciação com custos a outros consumidores (no caso, os que não instalam geração distribuída), ferindo os ditames da política tarifária e preceitos relevantíssimos que guardam a necessidade de isonomia, razoabilidade, transparência, publicidade, dentre outras questões que, somadas, aniquilam a legalidade da atual REN 482/2012.

E não é só isso. Essa resolução permite, à revelia da legislação em vigor e do margo legal setorial vigente, inclusive, que haja comercialização de energia fora das regras existentes e em condições desiguais de competição. Explicando, é que com a possibilidade de criação de fazendas solares, assim conhecidas as gerações remotas e compartilhadas, há uma parcela de usuários que “comercializam” essa energia a terceiros, a partir de contratos simulados privados de aluguel de instalações, o que não é permitido dentro da legislação vigente, e que deve ser corrigido urgentemente pela Aneel.

Isso tem que ser, urgentemente resolvido pela Aneel e, sendo superado, é preciso que os tomadores de decisão avaliem com isenção e abrangência os efeitos trazidos por suas regulações e legislações, de modo a harmonizar os novos regramentos à eficiência do setor elétrico e ao serviço público de energia elétrica aos consumidores, sem quebrar contratos, sem conferir distorções ou ilegalidades que desnaturam e fragilizam o modelo, desequilibrando esse bem comum e tornando mais oneroso para uns do que para outros o uso desse bem público.

Nesse particular, para a busca de decisões mais acertadas e qualificadas, tivemos um relevante reforço com a lei da liberdade econômica (lei 13.874/2019) que instituiu obrigatoriedade de Análise de Impacto Regulatório de modo a permitir uma adequada quantificação, benefícios e custos das medidas tomadas pelos seus agentes.

Assim, precisamos enfrentar todas as distorções do setor elétrico, uma a uma, e endereçá-las com absoluta adequação sistêmica, com estas análises de impacto regulatório (conceito já adotado na regulação setorial e agora fortificado com a lei da liberdade econômica), promovendo verdadeira justeza ao consumidor final com um serviço público robusto e perene.

O risco de não se adotar esta salutar prática que trazem vozes isentas, técnicas e qualificadas, geram repercussões gravíssimas à tarifa do setor elétrico, que está na UTI, precisando de cuidados no enfrentamento das suas distorções, ineficiências alocativas e subsídios, com coragem, prudência, responsabilidade e visão técnica, com soluções estruturantes, a favor de todos os consumidores brasileiros.

Wagner Ferreira é diretor jurídico e institucional da  Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)