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Temos um produto escasso e o preço continua barato” (Entrevista Nelson F. Leite) – Brasil Econômico

“Temos um produto escasso e o preço continua barato”

 

ENTREVISTA NELSON FONSECA LEITE

Presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee)

Prestes a completar 33 anos de atuação no setor elétrico, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite, admite nunca ter vivido uma crise como a atual, provocada pela seca e pela exposição das empresas ao mercado de curto prazo. “Estamos vivendo em meio a um furacão”, relata. Concluído o pacote de socorro para evitar inadimplência do setor, Leite acredita que é hora de repensar o modelo, vigente desde 2003, aperfeiçoando questões relacionadas ao repasse de custos ao consumidor.

Na semana passada, tivemos os primeiros reajustes de grandes distribuidoras em 2014. Foi menor do que as empresas pediram, porém mais altos do que estamos acostumados a ver. Esse passo pode ser considerado um ponto de inflexão da crise?

Na realidade, as empresas estão vivendo um furacão, um desafio muito grande que é: a energia no mercado de curto prazo está com um preço muito alto, a R$ 822 o megawatt-hora (MWh) e, ao mesmo tempo, as empresas estão subcontratadas, devido ao fato de não ter tido oferta suficiente no leilão A-1 de 2013, de não ter tido leilão A-1 em 2014 e pelo fato de ter tido pouca oferta no leilão de energia existente de 2014. Distribuidora subcontratada não é problema em si, desde que o preço da energia no mercado de curto prazo esteja em um valor razoável. O problema é que essa energia está reconhecida na tarifa das distribuidoras a R$ 110 por MWh e as distribuidoras estão pagando R$ 822 por MWh por esses 3,5 mil MW médios de energia que estão descontratados. O problema hoje para as distribuidoras é econômico. Que não começou agora, porque, na realidade, tivemos um terceiro ciclo de revisões tarifárias que reduziu muito significativamente a receita das distribuidoras, uma redução de aproximadamente R$ 4 bilhões da parcela B, que é relativa aos fios, ao negócio das nossas empresas.

Com que justificativa?

Primeiro, a taxa de remuneração dos ativos, que era de 9,95%, baixou para 7,5%. A distribuidora, na realidade, é remunerada pelo conjunto de ativos que ela tem na área de concessão. No terceiro ciclo, fizeram uma mudança de metodologia reduziu o WACC (custo médio ponderado de capital) sem considerar o risco regulatório Brasil. Um dos grandes problemas é que a redução do WACC foi feita sob o argumento de que o risco Brasil tinha caído. E, realmente, quando analisamos o ciclo de 2002 para frente, o risco Brasil deu um pico na época da eleição e depois caiu ao longo do tempo. Então essa mudança visava refletir a redução do chamado risco Brasil e das taxas de juros do país.

Só que um item importante ficou fora da metodologia: o chamado risco regulatório. Depois a gente vê, quando foi feita a MP 579 em 2012, que o risco regulatório se mostrou presente. As empresas de distribuição, que não foram afetadas pela MP no primeiro momento, tiveram suas ações desvalorizadas em bolsa, o mercado precificou esse risco. Então, achamos que o risco regulatório deveria ter sido considerado no cálculo. Os efeitos da MP 579 deveriam ser neutros para as distribuidoras, mas a redistribuição de contratos fez com que algumas empresas ficassem com um mix de contratos de termelétricas muito alto e houve também uma exposição involuntária alta.

Bom, exposição involuntária e elevado percentual de contratos de termelétrica não seriam problemas se a situação hidrológica estivesse normal, com o país gerando 80% da energia de origem hidrelétrica. O problema é que veio a estiagem, os reservatórios esvaziaram, tivemos que aumentar o despacho de termelétrica. Para você ter uma idéia, o despacho de termelétricas em 2012 era da ordem de 3,5 mil MW médios. Em 2013, passamos a despachar 13,7 mil MW médios. Em 2014, nós estamos despachando 17,5 mil MW médios. Aí, você pega uma energia que está reconhecida na tarifa a R$ 110 por MWh e a empresa começa a ter que pagar por R$ 822 por MWh. Há de convir que, em qualquer lugar do mundo, se montar um negócio comprando um produto a R$ 822 e vendendo a R$ 110, você quebra.

“O problema atual das distribuidoras é econômico. Você há de convir que, em qualquer lugar do mundo, se você montar um negócio comprando um produto a R$ 822 e, vendendo a R$110, você quebra”

 Mas os contratos não deveriam prever esse risco?

O contrato de concessão tem uma cláusula que diz que a distribuidora, em caso de desequilíbrio financeiro do contrato de concessão, pode pedir revisão tarifária extraordinária, que chamamos de RTE, que é um mecanismo que a distribuidora tem para pedir uma revisão do contrato toda vez que tiver uma despesa não prevista. Bom, era isso que as distribuidoras iam fazer. Mas imagina 63 distribuidoras no Brasil pedindo revisão tarifária extraordinária ao mesmo tempo, com variações de tarifa da ordem de 40 pontos percentuais, 30 pontos percentuais. O governo falou: “Olha, não temos como repassar isso para a tarifa durante este ano, então vamos arranjar uma solução”. Até porque, quando a gente analisa, tem um contrato de concessão, que está lastreado em uma lei. Está na lei. Tem que ir para a tarifa, não tem jeito. Só que o governo preferiu colocar na tarifa do ano que vem.

Então, os reajustes já concedidos não consideram os efeitos da estiagem?

Não, eles não consideram exposição involuntária que está sendo liquidada e não consideram parcela variável das térmicas. Ou seja, imagina se nós tivéssemos que considerar, projetando na tarifa um PLD (preço de liquidação de diferença) de R$ 822, daria mais um impacto de uns 15% a 20%. Ou seja, quem está tendo 15%, provavelmente ia ter mais de 30%. Por isso saiu nos jornais uma notícia de que a Cemig pediu 30%. O pedido considerava todo o impacto tarifário, mas a Aneeldisse “não”.

A solução negociada é satisfatória?

É uma solução conjuntural. Para o momento, ela evita uma crise de inadimplência e uma paralisação dos investimentos das distribuidoras. O que as distribuidoras teriam que pagar este ano é mais do que o Ebitda, mais do que o caixa livre. Então, como elas não têm condição de pagar, até que houvesse uma revisão tarifária extraordinária, nós teríamos uma inadimplência generalizada no setor. Aí, eu diria o seguinte: considerando a situação conjuntural, a solução resolve o problema. Mas para o futuro, nós precisamos repensar essa questão da neutralidade do custo da energia para as distribuidoras, de maneira que a gente não fique sofrendo esses soluços toda hora.

Como seria? Já tem proposta?

Não, estamos analisando ainda. Sabemos que em 2015 tem uma perspectiva mais favorável, independentemente da situação hidrológica, porque tem aquelas usinas cujos contratos de concessão vencem e que não aderiram à MP 579. As usinas vão virar cota. São mais ou menos 5 mil MW médios, que viram cota em 2015. Então, na realidade, está entrando aí um pacote de energia a preços de RS 30 por MWh. Qual o raciocínio quando se fez esse pacto, de jogar opagamento para o ano que vem? No ano que vem, teremos uma redução do custo da energia por causa dessas cotas. Então, com essa redução, o governo pode embutir os custos adicionais na tarifa para pagar a conta do empréstimo que está sendo feito agora.

“Imagina 63 empresas pedindo revisão tarifária extraordinária ao mesmo tempo. O governo falou: ‘Não temos como repassar isso para a tarifa este ano, então vamos airanjar uma solução ‘”

 Fica parecendo que as coisas estão sempre sendo empurradas adiante…

Hoje, olhando para trás… É claro que ser engenheiro de obra feita é muito fácil, mas, se aquela solução que foi desenhada em 2013 tivesse sido já projetada para se estender até julho de 2015, seria o ideal. Porque em julho de 2015 é que virão essas cotas. Seria perfeitamente possível desenhar uma solução em 2013 que fosse até julho de 2015, para concatenar com a incorporação das cotas.

Mas aí o Tesouro não teria que ter aportado mais dinheiro?

Ou talvez até uma solução privada, como essa de agora. Outra coisa que, no nosso ponto de vista, poderia ter sido feita no início do ano e não foi feita, é a questão das bandeiras tarifárias. A Aneel tinha tudo programado em 2013, para entrar no início de 2014 com as bandeiras tarifárias. A bandeira tarifária teria a vantagem de dar um sinal exatamente num momento em que o custoda energia está mais alto. Daria um sinal para o consumidor naquele momento dizendo: o custo da energia está mais alto e nós vamos ter que te cobrar um adicional na sua conta de luz para poder pagar esse custo. Ouseja.oconsumidor teria um sinal para fazer uso racional de energia.

Na verdade, o que aconteceu foi contrário…

Hoje o sinal é o contrário. O sinal econômico hoje não está vinculado à escassez do produto. Tem um produto escasso e o preço continua barato. Não tem o sinal econômico. A bandeira tarifária daria esse sinal econômico. No nosso ponto de vista, o adiamento da bandeira tarifária de 2014 para 2015 não deveria ter sido feito. Alegou-se na época que algumas distribuidoras não teriam sistemas adaptados e tal, mas na realidade era possível fazer uma adaptação para que fosse implementada. E isso aí traria recursos adicionais para o setor, que resolveria em parte o problema. E ciaria o sinal, para o consumidor, de que o produto estava escasso.

Foi adiado por preocupação com a inflação?

Não sei o motivo. Foi uma decisão da diretoria da Aneel. Ela achou que o momento não era oportuno, que a comunicação não tinha sido bem feita com os consumidores e, portanto, não era o momento.

“Dentre as agências, a Aneel me parece a mais transparente e a mais independente. Agora, não quer dizer que ela não esteja sensível a questões de interesse do governo, como, por exemplo, a inflação”

 O setor de distribuição avalia que a Aneel tem uma atuação independente?

Nós defendemos isso com muita veemência, um regulador independente do governo que seja um órgão de Estado, que seja uma agência de Estado, e não de governo. Me parece que, das agências reguladoras do Brasil, a Aneel é a mais transparente e a mais independente. Agora, não quer dizer que ela não esteja sensível a questões de interesse do governo, como, por exemplo, impactos inflacionários.

Mas não são comuns os casos de revisões extraordinárias… Houve alguma?

Houve. Quando o governo reduziu tarifas em 20%, devido à MP 579, foi uma revisão extraordinária. Para baixo (risos).

Nicola Pamplona

Mariana Mainenti