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Portabilidade da conta de luz – Artigo Nelson F. Leite – O Estado de Minas

Portabilidade da conta de luz
Fonte: Artigo Nelson F. Leite – O Estado de Minas – 25 de dezembro de 2015
Nelson Fonseca Leite Presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)Em novembro, foi lançada na Câmara dos Deputados uma frente parlamentar mista em defesa das energias renováveis, eficiência energética e portabilidade da conta de luz. Num cenário onde o custo da geração da energia cresceu exponencialmente ao longo dos últimos anos, a iniciativa vem ao encontro das necessidades de toda a população brasileira.

Como sabemos, a matriz energética brasileira é predominantemente hidráulica e, com a escassez de chuvas nos últimos anos, a geração hidrelétrica ficou aquém das possibilidades das usinas. Com isso, termelétricas, mais caras, tiveram que ser acionadas para garantir o abastecimento do país. A partir de 2015, todo esse custo adicional da geração começou a ser repassado aos consumidores por meio do chamado “realismo tarifário”. Nesse cenário, buscarmos alternativas de geração por meio de fontes renováveis mais baratas, conjugadas com políticas de eficiência energética, é iniciativa lógica e racional dos agentes do setor e apoiada por toda a população.

Paralelamente, outro tema que está em discussão, com a justificativa de baratear o custo da energia aos consumidores finais, é a chamada portabilidade da conta de luz. A proposta é objeto do p. externado (PL) 1.917/2015, aprovado em novembro na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara e que, agora, tramitará por outras duas comissões, antes de seguir ao Senado Federal. No entanto, é preciso estar atento para que não se venda uma proposta incorreta à população.

No atual modelo do setor elétrico brasileiro, a expansão do parque gerador é garantida por meio de financiamentos das novas usinas, lastreadas nos contratos de longo prazo que os geradores estabelecem com as distribuidoras, que, por força de seus contratos de concessão, devem garantir o fornecimento à sua região. Para tanto, estabelecem contratos de compra de energia de longo prazo com os geradores, que utilizam a garantia dos recebíveis para financiarem seus empreendimentos e assim expandirem o segmento. A pergunta que fica é: como se daria a expansão do parque gerador num ambiente em que as distribuidoras de energia não teriam como projetar o crescimento dos seus mercados em razão da volatilidade de clientes migrando entre os agentes ofertantes de energia?

A chamada portabilidade pressupõe, em tese, que os consumidores residenciais possam escolher o seu fornecedor de energia. No entanto, é preciso esclarecer que o consumidor residencial não deixará de ter relação com a distribuidora da sua região, já que a energia contratada continuará chegando às unidades consumidoras através de seus fios. Portanto, o cliente continuará tendo relacionamento com a distribuidora local e terá que remunerar a concessionária pelo uso da rede e pela sua manutenção — a chamada tarifa fio.

Cabe ressaltar também que o fato de poder comprar energia de um fornecedor à sua escolha não significará, necessariamente, melhoria na qualidade percebida da energia entregue ao consumidor, pois isso depende, em última instância, da saúde financeira das empresas distribuidoras para manter e fazer os investimentos necessários para a devida modernização das redes.

O PL 1.917/2015 traz também os conceitos de micro e minigeração distribuída. Parece, de fato, que elas são tendência e auxiliarão na expansão da geração, à medida que alguns consumidores poderão gerar alguma parcela da energia que consomem, injetando ou demandando da rede elétrica os valores residuais do seu consumo. No entanto, da mesma forma, é preciso remunerar as redes elétricas para que elas estejam em condições de realizar esses serviços com qualidade cada vez maior.

Em suma, considerando o modelo atual do setor elétrico, a chamada portabilidade da conta de luz, da forma como está descrita no PL 1.917/2015, não se viabiliza. Também a micro e a minigeração distribuída e as redes inteligentes são temas que se inter-relacionam e, de certa forma, se complementam, mas é preciso legislar com responsabilidade sob o risco de abalar os pilares sobre os quais o atual modelo do setor elétrico está construído.