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Perdas de energia: Guerra sem fim?

Fonte.: Canal Energia

No Rio de Janeiro, furto de energia se mantem elevado e concessionárias do estado atuam para combater prática

Definidas como a diferença entre a energia comprada pelas distribuidoras e a paga pelos clientes, as perdas de energia costumam estar sempre no radar das preocupações das concessionárias. As chamadas perdas técnicas são aquelas que são inerentes às concessionárias, já que acontecem no transporte, na transformação de tensão e na medição. Já as não técnicas vêm das ligações irregulares – os ‘gatos’ -, das fraudes e de erros em medição e faturamento.

Relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica mostra que em 2018 as perdas totais foram 14% do mercado consumidor. Esse volume de perdas equivale ao consumo de energia das regiões Norte e Centro-Oeste em 2016. O repasse para a tarifa de um percentual das perdas está previsto no contrato de concessão das distribuidoras, respeitando o limite regulatório. Ainda de acordo com o relatório da Aneel, as perdas estão se mantendo no mesmo patamar desde 2008, oscilando entre o mínimo de 13,4% dos anos de 2011, 2013 e 2014 e os 14,2% de 2009, o maior valor.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica, Marcos Madureira, investimentos importantes vêm sendo feitos pelas concessionárias de distribuição para mitigar as suas perdas de energia. Ele lista as inspeções, as modernizações e as blindagens de rede, além dos investimentos em sistemas de inteligência que ajudam na identificação das maiores probabilidades de perdas, fazendo com que as medições fiquem mais eficientes. “As empresas estão investindo muito forte no combate a perda, mesmo com os custos mais elevados que os que são suportados pela tarifa, mesmo com dificuldade elas tem elas têm investido nas ações a modernização da digitalização da rede”, explica.

As perdas não técnicas reais no mercado da baixa tensão faturado ficaram em 15% no ano passado, segundo o relatório da Aneel. Já as perdas não técnicas regulatórias ficaram em 11,4%. As perdas reais registraram um crescimento de um ponto percentual na comparação com o ano anterior, enquanto as regulatórias tiveram uma subida mínima de 0,1%. As perdas não técnicas reais no país trouxeram um custo de R$ 6,6 bilhões no ano passado. Mas devido ao cálculo da metodologia da Aneel, o valor ficou em R$ 5 bilhões, o que representou para os consumidores cerca de 3% do valor da tarifa, variando por distribuidora.

Por terem áreas mais complexas e alto número de consumidores, as grandes distribuidoras concentram as perdas não técnicas. Fatores como a gestão das concessionárias, a própria complexidade da área da concessão e a cultura dos consumidores vem determinando a intensidade das perdas de energia. O Rio de Janeiro é um dos estados em que as perdas de energia são mais acentuadas. As maiores distribuidoras do estado, Light e Enel Distribuição Rio, são players que mais sofrem com os gatos de energia. A Enel RJ fica com o interior do estado, Niterói e São Gonçalo, enquanto a Light tem a concessão para a capital e a maior parte da região metropolitana.

Na Enel Rio, o furto de energia está concentrado na região de São Gonçalo, Itaboraí e Caxias, próximas ao entorno da Baía de Guanabara. São Gonçalo tem 37% de perdas, Duque de Caxias, 31% e Itaboraí, 30%. Até junho, o investimento no combate às perdas ficou em R$ 18,1 milhões. Ricardo Marques, responsável pelas operações comerciais da concessionária fluminense, explica que o combate ao furto é feito em cima de três pilares. O primeiro é através de medidas técnicas, que consiste na instalação de medidores que conseguem dificultar a perda ou alertar sobre a falta de energia. “Eles têm comunicação com a nossa central de operação e quando tem algum furto conseguimos identificar e mandar uma equipe de pronto”, relata.

A distribuidora também faz operações em conjunto com a polícia. O furto de energia é tipificado como crime. Ele conta que toda semana há operações em várias cidades com acompanhamento policial. Nelas, os gatos são identificados e a polícia dá prosseguimento ao caso. A terceira diretriz usada pela Enel Rio é a dos projetos sociais. Segundo Marques, essa parte é mais direcionada aos consumidores de baixa renda. um dos projetos é o do Ecoponto, em que há troca de material reciclado por descontos na conta de luz, além de ações de eficientização energética.

Ele dá mais relevância ao tema quando fala da diversidade do contingente envolvido nas mais variadas atividades contra o furto. “Inspeções em campo, análise de dados, temos uma equipe bem multidisciplinar olhando para tudo isso, quais as novas tecnologias que se empregam na rede, essa é uma preocupação bem grande não só da Enel, mas de todas as distribuidoras”, Nos últimos 12 meses, a Enel Rio registrou perdas de R$ 107 milhões que não são cobertas na tarifa de energia. A alta complexidade faz com que as perdas em terras fluminenses sejam as maiores do Grupo Enel no mundo.

Outro ponto que Marques chama a atenção é que em 2008, a concessionária tinha 70 mil clientes em áreas consideradas de risco, em que ela tinha dificuldade de entrar com seus funcionários em função da criminalidade. “Em 2018 esse número subiu para 400 mil. “Isso aumenta muito as perdas, essas áreas em que há incidência alta de criminalidade representam quase metade dos nossos problemas nas perdas comerciais, a outra metade está fora dessas áreas com criminalidade”, explica Marques.
Na outra concessionária do Rio, a Light, as perdas serem equivalentes ao consumo residencial do estado do Espírito Santo já não causa mais espanto no setor. O volume de energia desviado atingiu a marca dos 25,76% em junho de 2019. Essa marca mostra que a cada 100 kWh distribuídos por ela, 25,76 kWh são furtados. São mais de 5 mil GWh que são entregues, mas não são faturados. Cerca de R$ 1,8 bilhão não são faturados no caixa da empresa por conta dos gatos e outros R$ 630 milhões em ICMS que deveriam ir para o governo do estado.

Antes disso, em maio, Ana Marta já havia colocado as perdas da energia no foco das prioridades da concessionária. O objetivo é fazer com que a empresa atue contra o furto de energia nas áreas possíveis de entrar, já que o aumento do furto de energia está diretamente associado a subida da violência e ao domínio de facções criminosas, seja do tráfico de drogas ou da milícia. Há 20% ou 875 mil clientes que estão em áreas nessa condição, o que impede o inspecionamento e o combate adequado as perdas. Dos chamados abertos por interrupção no fornecimento de energia, 70% vem de áreas com alto índice de roubo de energia.

Constantemente, a prática do gato no Rio de Janeiro é associada aos segmentos mais carentes da população, mas isso é uma meia verdade. As classes média e alta, o segmento comercial e indústrias também cometem as suas irregularidades. “Hoje é um problema que não está focalizado em uma determinada classe ou atividade, acabe sendo bem pulverizada em várias classes, isso acaba dificultando o nosso trabalho”, avisa Ricardo Marques, da Enel Rio. Não é raro inspeções das distribuidoras do estado encontrarem irregularidades em medidores de restaurantes tradicionais, academias ou até mesmo de personalidades e moradores de condomínios de alto luxo.

Em agosto deste ano, a presidente da Light, Ana Marta Veloso, revelou em teleconferência a analistas que o objetivo da empresa era chegar em 2022, ano da revisão tarifária, com as perdas próximas do limite regulatório, que é de 19,62%. Segundo ela, os seis pontos de diferença poderiam ser alcançados através de uma atuação mais descentralizada, que permitiria um melhor acompanhamento das ações de campo. Inspeções estão sendo feitas até o fim do ano nos 60 mil maiores clientes, de modo a coibir e identificar irregularidades. Na ocasião, a executiva revelou que esses maiores clientes são 50% da receita da Light.

Outro fator que fez com que as perdas de energia não registrassem tendência de queda são os custos de energia. Segundo Madureira, da Abradee, de 2013 para cá, o uso acentuado de térmicas e o aumento de encargos não arrefeceram a tarifa. “Nos últimos dez anos a parcela B caiu algo como 47%, porém tivemos elevação das demais parcelas. Isso tudo fez com que se tenha uma tarifa elevada e faz aumentar não só as perdas como os desafios de inadimplência”, frisa. Outro aspecto é o da crise econômica, que não gera emprego nem renda e acaba levando consumidores a praticarem desvios que aumentam a perda não técnica.

A expansão desordenada que acontece no estado de certa forma também colabora com a dificuldade para coibir furtos de energia. Estudo do Instituto Pereira Passos mostrou que em 2018 as favelas da capital tiveram o seu maior crescimento, estando presentes em 86% dos bairros da cidade. A invasão em reservas ambientais é um problema que as distribuidoras enfrentam e acaba impactando na rede. Elas ficam sem poder fazer ações efetivas nessas localidades, como instalar uma rede adequada e um padrão seguro. ‘Hoje há muitas zonas e que não podemos fazer regularizações de energia, essa questão de região de proteção ambiental é uma questão que prejudica a companhia nas perdas”, conta Marques da Ampla.

Mesmo com a criminalização do furto e da fraude de energia, o número de condenações é pequeno. O furto se caracteriza quando a energia é diretamente trazida da rede da distribuidora, se o seu conhecimento ou permissão. Já a fraude acontece quando o consumidor altera o medidor para reduzir o consumo. O furto entra no artigo 155 no código penal, enquanto a fraude é o artigo 171, do estelionato. O desvio de energia traz prejuízo para todos os consumidores, que acabam por pagar pela energia desviada. O termo de ocorrência muitas vezes também é contestado pelos consumidores.

De acordo com o presidente da Abradee, na CP 33 e no PL 232 há propostas para melhoria no termo de ocorrência, de modo a dar um caráter mais legal a esse termo e afastar possíveis questionamentos no âmbito da justiça. “Mesmo em muitos casos contando com apoio policial, muitas vezes o setor sofre com ações que buscam invalidar os efeitos de se cobrar essa fraude”, salienta Madureira.

A digitalização do setor elétrico vai ser uma forte aliada para as distribuidoras na luta contra as perdas. O aparato tecnológico já é usado, mas a sua massificação vai acabar por dar as informações precisas para a concessionária sobre o comportamento de consumo dos seus clientes. Medidores inteligentes são capazes de fazer uma análise correta com o que acontece na unidade, verificando o quanto sai do transformador e o quanto entrou na unidade. “A digitalização é um dos meios importantes no auxílio ao combate. Se eu tenho o valor maior que o somatório do consumo eu tenho mais as perdas técnicas, significa que naquele local eu tenho uma perda não técnica”, avisa o presidente da Abradee.

A busca pela modernidade não fica apenas pelo lado das concessionárias. Os fraudadores também são sagazes para burlar os mecanismos e evoluções dos medidores de energia. A disputa parece não ter fim, já que os aparelhos não são a prova de furto. Às distribuidoras está reservado o papel de estarem sempre inovando e investindo nas melhores práticas de combate. “Essa briga nunca termina, estamos aqui do lado de dentro fazendo o dever de casa com uma série de evoluções, mas infelizmente aí fora tem uma equipe grande de pessoas planejando maneiras de como furtar os medidores.