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O modelo do setor elétrico precisa ser aperfeiçoado’ (Entrevista Nelson F. Leite) – Brasil Econômico

‘O modelo do setor elétrico precisa ser aperfeiçoado’

 

Entrevista – Nelson Fonseca Leite

Presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee)

 

 

A infraestrutura do setor elétrico vem acompanhando o crescimento do consumo?

Se você analisar o mercado, tem um equilíbrio estrutural. Por isso que estou falando que é uma questão conjuntural. Do ponto de vista de oferta e demanda, há equilíbrio estrutural, apesar de alguns atrasos em obras de geração. Quando a gente olha para trás, lá no início de 2012, a situação das distribuidoras era de sobrecontratação. E a grande discussão era sobre quais as medidas para mitigar a sobrecontratação. Porque estavam sobrecontratados? O planejamento é feito em um período de cinco anos e, em 2012, estávamos com a contratação baseada nas projeções de 2007. Naquelas projeções, estavam embutidas perspectivas de crescimento econômico de 5% ao ano, mas o crescimento de 2011 foi na casa de 2%.

Então, na realidade, tinha mais energia contratada do que o mercado estava realmente demandando. Mas em 2012, veio a Medida Provisória 579 e não houve leilão de energia existente, porque estava todo mundo sobrecontratado. Em 2013, a situação se inverteu: não houve leilão de energia existente em 2012, e teve a frustração das usinas de Bertin, das usinas da Multiner e também as cotas que se esperava da MP 579 que não apareceram, aquelas cotas oriundas dos geradores que tinham concessão vencendo em 2015 e 2016 e que não quiseram participar. Isso tudo levou à subcontratação, as distribuidoras ficaram short. Em 2013, era em torno de 2,3 mil MW médios. No final de 2013, venceram mais 4 mil MW médios de contratos existentes. Então, essa exposição foi para 6,3 mil. Aí teve o leilão A-l no qual foram contratados 2,7 mil MW médios. Então, restou uma subcontratação da ordem de 3,5 mil MW médios, mais ou menos.

Como evitar esse tipo de montanha russa?

Teoricamente, não deveria acontecer. O modelo não foi desenhado para trabalhar com distribuidora subcontratada. O modelo todo foi desenhado para as distribuidoras estarem contratadas acima de 1007o. Tanto que existem penalizações severas se o distribuidor fica com uma contratação abaixo de 100% de forma voluntária. Mas houve uma série de fatores, como por exemplo, atraso de obra de transmissão, a não realização do A-1 em 2012, e tudo isso quebrou a rotina do modelo. E, adicionando-se a isso, tivemos o ano hidrológico ruim. E a conjunção desses dois fatores, distribuidoras com exposição no mercado de curto prazo, mais preços elevados nesse mesmo mercado, vira uma mistura explosiva, que é o que nós estamos vivendo agora.

Some-se a tudo isso o crescimento do consumo, que foi absurdo em janeiro…

É… o crescimento do consumo em janeiro foi muito alto, mas foi provocado pela onda de calor elevada, que fez com que o consumo da Light, por exemplo, aumentasse 22% em relação a janeiro de 2013. Quer dizer, é totalmente atípico. Essa onda de calor trouxe um aumento da carga, mas só esse aumento não teria problema, porque as redes suportariam. O problema é o impacto financeiro que isso provoca. Quer dizer, um aumento de carga num momento em que você tem uma exposição das distribuidoras ao mercado de curto prazo e um preço elevado desse mesmo mercado, isso torna mais explosiva ainda a situação.

Estruturalmente, não há nada que possa ser feito para que o setor não fique refém dessas questões pontuais?

Num sistema hidrotérmico como o brasileiro, é interessante o seguinte: nos anos em que a chuva é maior que a média, temos um bônus, que é o excesso de água nos reservatórios. Esse bônus se transforma em redução do preço da energia de curto prazo. Durante muitos anos, tivemos excesso de energia produzida permitindo que mantivéssemos termelétricas desligadas e a energia fosse liquidada no mercado de curto prazo a R$ 30, R$ 50 por MWh. Naquela época, nós não aproveitamos esse bônus para gerar um fundo que pudesse compensar um período em que viesse o ônus. Agora veio a época do ônus e nós não temos esse fundo para poder fazer face ao preço alto do PLD.

Pois é, porque quem ganha na época do bônus é quem compra energia de curto prazo: a indústria, e não o consumidor cativo…

Isso, o consumidor cativo não tem bônus nenhum, porque a energia dele já está contratada. A distribuidora obrigatoriamente já está com 100% do mercado contratado.

Esse fundo pode fazer parte da proposta de revisão da parcela A, que o sr. citou no começo da conversa?

Uma das formas para resolver essa necessidade de revisão, buscando neutralizar os impactos da parcela A para as distribuidoras, seria essa: ter um fundo de compensação para as variações de preço de energia para que, na época das vacas gordas, pudesse acumular recursos para passarmos pela época das vacas magras.

Abradee pretende fazer alguma proposta?

Desde dezembro do ano passado estamos trabalhando no conjuntural, ou seja, estamos tentando mitigar os aspectos conjunturais. Agora, com o Decreto 8.221, nós conseguimos um êxito nessa mitigação. Depois de resolvida a questão conjuntural, nós temos que pensar no estrutural. Estamos estudando uma alternativa para propor ao governo um aperfeiçoamento do modelo estrutural para compensar isso aí. E a ideia é apresentarmos isso para todas as forças políticas, de maneira que seja um projeto nacional, independentemente de qual seja a força política que estiver no comando.

Já durante o período eleitoral?

É, nós queremos já ter um projeto para apresentar uma solução estrutural para neutralizar os efeitos de variação nos preços de energia. Essa é uma questão extremamente importante para o setor, porque o modelo de 2004 trouxe uma série de aperfeiçoamentos em relação ao que fora implantado em 1996, que vigorou até 2003, mas agora nós precisamos fazer aperfeiçoamentos.

Em termos de regulação, o que pode ser feito?

Há ações que estão no âmbito da regulação, mas outras ações estão no âmbito de lei. Porque o regulador não tem como mudar o modelo, tem que cumprir as leis. Em termos de regulação, acho que o regulador pode trabalhar na implantação de um realismo tarifário, seguir mais esse realismo. Eu dei o exemplo das bandeiras tarifárias, que, em minha opinião, deveriam ter sido implantadas em janeiro de 2014. Se elas tivessem sido implantadas, essa seria uma solução também estrutural, na medida em que toda vez que houvesse uma situação dessas, seria destacada a bandeira amarela ou bandeira vermelha, que daria um sinal econômico para o consumidor de que o custo da energia está mais alto e ele passará a pagar por isso.

O sr. acha que já está na hora de o Brasil fazer racionamento? O cenário aponta para isso?

Olha, nós seguimos aqui as avaliações feitas pelo ONS. A última apresentação que nós vimos mostrava que, se houvesse, no mês de marco, chuva da ordem de 71% da média histórica, conseguiríamos passar até novembro, chegando em novembro com 15% de armazenamento no Sudeste e Centro-Oeste, que é o principal reservatório. Agora, eu acho que isso vai depender do risco que se quer correr para frente. Porque, na realidade, quanto mais se posterga essa decisão, mais se assume o risco na frente. Então, é uma questão de balancear o risco no futuro com o desgaste no presente. Porque o racionamento traz um desgaste no presente, mas o adiamento pode trazer um problema maior no futuro. Estamos chegando no final do período chuvoso e tem que avaliar novamente. Eu não vi nenhuma avaliação do ONS posterior a essa que te falei.

Não se fala muito em eficiência no consumo aqui no Brasil. Porque?

Isso aí é um negócio interessante, porque o mundo inteiro faz ações de busca de eficiência, de uso racional da energia e a chamada demand response, que faz com que a carga siga a geração por meio de um sinal de preço. Dá um sinal que faz com que a carga siga a geração, enquanto aqui a geração é que segue a demanda. É outro modelo, outra maneira de pensar. Nós não temos isso no Brasil, mas acho que, no futuro, vamos caminhar para isso.

Quando a gente segura a tarifa, não está emitindo justamente um sinal contrário?

A elasticidade da demanda com o preço não é muito grande. Tem um determinado padrão de consumo que a pessoa mantém, independentemente do preço. Agora, em determinados produtos nos quais a energia elétrica tem peso significativo no custo, pode-se ter a decisão de produzir ou não, dependendo do preço. Que é o que os eletrointensivos estão fazendo agora. Tem indústrias que estão tomando a decisão de deixar de produzir para vender energia no mercado de curto prazo. Porque é mais negócio para elas vender energia do que vender sua produção. No caso do consumidor residencial, a resposta a esse sinal de preço é pequena. A questão maior é de conscientização. Vou dar um exemplo: no racionamento de 2001, a Região Sul não foi afetada pelas medidas, mas escutava a mídia falando o tempo todo do que estava sendo feito no Brasil. E houve uma redução espontânea de consumo, só por essa maior conscientização. E não tinha sinal de preço, porque lá não havia metas de redução de consumo.

Em outros países isso é feito?

Em países que têm modelo diferente. Não esse modelo de price cap (de remuneração baseada no retorno sobre os ativos) que a gente tem, mas um modelo de venuecap, de costplus, modelo de tarifa baseada no custo. É outro modelo institucional. Aqui, não tem sinal econômico adequado para busca de racionalização. Tem, sim, uma obrigatoriedade dada pela Lei 9.991, que obriga as empresas a gastarem 0,5% da receita operacional líquida em ações de eficiência energética. E 60% desse recurso tem que ser usado para consumidores de baixa renda. As distribuidoras usam esse recurso para promover o uso racional em áreas com perdas elevadas, com ligações clandestinas. E é realmente um desperdício, porque a pessoa não paga conta de luz e aí gasta de forma irracional, deixa a porta da geladeira aberta, deixa a geladeira sem porta. É um negócio, assim, assustador.

Na opinião do sr. , a conta de luz no Brasil é cara?

Temos um estudo comparativo, já considerando os efeitos da redução de 20% que mostra o seguinte: quando se retira os impostos – o Brasil é o terceiro país que mais cobra imposto em energia elétrica -, colocando em dólar a tarifa por megawatt-hora, a nossa é a 13ª mais barata em um ranking de países selecionados. Com a MP 579, foi para quarto lugar. Então, não acho que ela é cara. Mas impostos e encargos são responsáveis por 45% do preço que nós pagamos. É muito mais fácil arrecadar com energia elétrica, combustível e telecomunicações do que arrecadar com boi no pasto.

A conjunção de distribuidoras com exposição no mercado de curto prazo, mais preços elevados nesse mesmo mercado, vira uma mistura explosiva, que é o que vivemos agora ”

Quanto mais se posterga essa decisão (sobre racionamento de energia) mais se assume o risco lá na frente. Então, é uma questão de balancear o risco no futuro com o desgaste no presente ”

Impostos e encargos representam 45% do preço que pagamos na conta de luz. É muito mais fácil arrecadar com energia elétrica, combustível e telefonia do que arrecadar com boi no pasto “