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Covid: é competência da União Federal estabelecer as regras para os serviços de energia elétrica

Fonte.: Estadão

Comitê Jurídico da Abradee

A pandemia da covid-19 e as consequentes medidas de isolamento social e quarentena vêm trazendo desafios inéditos para toda a sociedade e para a economia.

Por todo o País, os governos estaduais e Assembleias Legislativas, com uma perspectiva equivocada do funcionamento do setor, vêm publicando leis impondo novas condições e regras operativas para o serviço público federal de distribuição de energia elétrica.

A exemplo, em 23 de março, Lei do Estado do Rio de Janeiro vedou a interrupção do fornecimento de energia por falta de pagamento, impôs o parcelamento de eventuais débitos e suspendeu a incidência de multas e juros por atraso no pagamento das faturas. Na sequência, outros Estados publicaram leis ou decretos semelhantes.

Falando diretamente e sem mais delongas: essas normas são inconstitucionais.

Não se nega, claro, que escolhas legislativas duras deverão ser feitas para o enfrentamento da situação de pandemia. É certo que impactos econômicos individuais poderão ser modulados pela sociedade. Decisões sobre o custo e financiamento dos serviços públicos essenciais serão tomadas, e perdas podem ser distribuídas desigualmente.

Mas, em que pesem as suas boas intenções, e com todo o respeito aos nobilíssimos deputados e governadores, essas decisões difíceis e escolhas legislativas, no serviço público de distribuição de energia elétrica, não são e não podem ser do legislador estadual, sob pena de uma disfunção em todo arranjo do setor elétrico, que, mais uma vez, diga-se, é de organização e coordenação da União Federal.

A Constituição Brasileira é clara, claríssima, ao estabelecer a competência da União para explorar os serviços e instalações de energia elétrica (art. 21, XII), e, consequentemente, para legislar sobre energia (art. 22, IV).

Não é por outra razão que a União editou uma série de atos por meio do executivo (MP 950), Ministério de Minas e Energia (portarias 117/2020 e 133/2020, e decreto 10350/2020) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Resolução 878/2020), com o fito de alterar de forma organizada e segura os serviços de energia elétrica, considerando os impactos da covid sobre a economia dos consumidores.

Há um objetivo muito claro ao se ter um serviço de distribuição coordenado pela União Federal. As redes de transmissão de energia atravessam grandes distâncias e cruzam Estados; muitas concessionárias atendem consumidores de mais de um Estado; a energia gerada no sul ou no nordeste do país é distribuída para consumidores de outras regiões. Submeter a distribuição de energia em cada estado a regras locais estabeleceria tratamentos diferenciados para consumidores do mesmo serviço público federal, impedindo a repartição equânime dos custos de todo o sistema e dificultando comparações de eficiência entre as empresas concessionárias, invertendo completamente a lógica unificada de planejamento do setor elétrico.

Por todos esses motivos, a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal reconhece a competência da União para a matéria.

Em recente acórdão, publicado em 16 de setembro de 2019, na ADIN 3.866, ao julgar lei do Estado do Mato Grosso do Sul que proibia a interrupção de serviços de distribuição de energia elétrica (entre outros), o STF afirmou expressamente que “possui firme entendimento no sentido da impossibilidade de interferência do Estado membro nas relações jurídico-contratuais entre poder concedente federal ou municipal e as empresas concessionárias, especificamente no que tange a alterações das condições estipuladas em contrato de concessão de serviços públicos, sob regime federal ou municipal, mediante a edição de leis estaduais”.

Um pouco antes, em agosto de 2019, o STF julgou inconstitucional, na ADIN 5610, lei do Estado da Bahia que proibia a cobrança de taxa de religação em caso de corte no fornecimento de energia. Em 24 de abril último, a ADPF 452 declarou inconstitucional lei de Jaraguá do Sul/SC, que impunha condições para novas ligações de energia elétrica no município.

Como se vê, não há dúvida sobre a competência para regular os serviços de distribuição de energia.

E não se diga que a situação de emergência teria o condão de afastar as normas que estabelecem as competências legislativas e administrativas privativas da União. Ao contrário! É justamente na crise que se faz mais necessário seguir o que estabelece a Constituição Federal, em especial pela segurança nacional dos serviços e pela coordenação necessária para as eventuais alterações da regras operativas da concessão federal do serviço de distribuição.

Tampouco há, vale ressaltar, qualquer vácuo legislativo. A União Federal, competente para a matéria, por meio de sua Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, já vem regulando o mercado, e estabelecendo as regras especiais para o enfrentamento das consequências da pandemia. Não há qualquer espaço para a atuação de outros entes federativos, como dito alhures.

De forma abissalmente oposta ocorre com a saúde pública, e nesse particular, recentemente o STF decidiu que os estados podem legislar concorrentemente sobre saúde pública, em especial em tempos de pandemia. Isso porque a competência é concorrente dos entes da Federação para matérias afetas à saúde pública (art. 23, inciso II, da Constituição). Mas não em matéria de energia, pelas razões já enfrentadas neste artigo.

Especialmente neste momento, é imprescindível a busca por soluções para que as empresas mantenham a prestação deste serviço essencial à sociedade, sem prejuízos da qualidade e continuidade. Para tanto, é indispensável que se mantenha a segurança jurídica e estabilidade das instituições e das relações com os consumidores, razão por que a Abradee mantém vigilância constante contra as tentativas indevidas dos legisladores estaduais de interferirem nos serviços de distribuição de energia elétrica. Apenas neste período de quarentena, a Associação já propôs quatro novas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o STF para exigir o disposto na constituição federal.

Deixar que outros entes regulem e alterem regras de uma concessão pública federal importa em absoluta insegurança jurídica, afugenta investimentos e ignora os contratos firmados entre União e seus concedidos, além de, muitas vezes, criarem novos custos aos consumidores simplesmente por desconhecerem a estrutura de custos e composição de tarifas do segmento de distribuição

Link da Matéria.: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/covid-e-competencia-da-uniao-federal-estabelecer-as-regras-para-os-servicos-de-energia-eletrica/