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Visão Geral do Setor

VISÃO GERAL

O termo indústria geralmente designa o conjunto de atividades que visam a manipulação de matérias-primas para a produção de bens de consumo. No caso da indústria de eletricidade, o bem produzido é a energia elétrica, um produto impalpável utilizado de forma indireta, seja para produzir luz, movimento, calor ou qualquer outra transformação energética.

Com o crescimento da viabilidade econômica de pequenos geradores elétricos, dentre eles os geradores de fontes renováveis, apresenta-se de forma crescente um novo paradigma de operação dos sistemas elétricos: a geração distribuída (GD). A partir da descentralização crescente da geração, o que tem ocorrido em diversos países no mundo, as redes de distribuição passam a ter papel protagonista na operação do sistema, contrabalançando os efeitos intermitentes desses pequenos geradores e aumentando a qualidade do fornecimento de energia.

Um ponto relevante a ser mencionado sobre a produção e o consumo de energia elétrica é que, diferentemente de outros sistemas de redes, como saneamento e gás, a energia elétrica não pode ser armazenada de forma economicamente viável, e isso implica na necessidade de equilíbrio constante entre oferta e demanda. Em outras palavras, toda a energia consumida deve ser produzida instantaneamente e, quando há desequilíbrios, mesmo que por frações de minuto, todo o sistema corre o risco de desligamentos em cascata, os chamados “apagões”.

A indústria de energia elétrica é basicamente composta por geradores espalhados pelo país e pelas linhas de transmissão e de distribuição de energia, que compõem a chamada “indústria de rede”. Todo o sistema é eletricamente conectado, exigindo o balanço constante e instantâneo entre tudo o que é produzido e consumido.

A indústria de energia elétrica é constituída por agentes independentes que, ou produzem, ou transportam ou comercializam a energia elétrica. Os fluxos financeiros no sistema são diferentes dos fluxos energéticos físicos, isso pelo fato de que não se pode receber a energia diretamente de um único gerador, mas sim de todos os geradores ao mesmo tempo.

Quais os segmentos da indústria de energia elétrica?

A partir da década de 1990, buscando eficiência e autonomia econômica, o setor elétrico mundial começa a passar por reformas estruturais em sua forma de operação, sofrendo influência da doutrina do estado mínimo no pensamento econômico. Como resultado destas reformas, que também ocorreram no Brasil, os segmentos de geração, transporte e comercialização de energia passam a ser separados, sendo administrados e operados por agentes distintos.

A ideia predominante foi a de que a livre concorrência deveria prevalecer onde fosse possível, relegando ao estado o papel da regulação onde necessário. Neste contexto, os segmentos de geração e comercialização foram caracterizados como segmentos competitivos, dada a existência de muitos agentes e também pelo fato do produto, a energia elétrica, ser homogêneo, como uma commodity.

Por sua vez, os setores de transporte da energia – a transmissão e a distribuição – são considerados monopólios naturais, pois sua estrutura física torna economicamente inviável a competição entre dois agentes em uma mesma área de concessão (o consumidor pagaria tarifas mais caras, fato esse que iria contra o conceito de modicidade tarifária). Nestes dois segmentos, predominou o modelo de regulação de preços ou regulação por incentivos.

A geração é o segmento da indústria de eletricidade responsável por produzir energia elétrica e injetá-la nos sistemas de transporte (transmissão e distribuição) para que chegue aos consumidores. Especificamente no Brasil, o segmento de geração é bastante pulverizado, atualmente contando, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), com 7.250 empreendimentos geradores.

Uma grande parte desses empreendimentos, 3.004, são usinas termelétricas de médio porte, movidas a gás natural, biomassa, óleo diesel, óleo combustível e carvão mineral. Apesar disso, praticamente 64% da capacidade instalada no país, e 63% da energia gerada, são de origem hidrelétrica e limpa, contando com 217 empreendimentos de grande porte, 428 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e 696 micros usinas hidrelétricas.

O segmento de geração era considerado um segmento competitivo no Brasil até 2012, pois a maioria absoluta dos geradores eram livres para negociar seus preços, seja diretamente com consumidores livres, seja por meio de leilões regulados. A partir de 2013, muitas usinas hidroelétricas antigas passaram a ter seus preços controlados pela ANEEL, pois essa foi a condição para a renovação antecipada de seus contratos de concessão. A partir desse fato, a competição passou a ocorrer somente na expansão do parque gerador, como ocorre na transmissão, e não mais na energia existente.

O segmento de transmissão é aquele que se encarrega de transportar grandes quantidades de energia provenientes das usinas geradoras. A interrupção de uma linha de transmissão pode afetar cidades inteiras ou até mesmo estados. No Brasil, esse segmento conta com 156 concessionárias licitadas, responsáveis pela administração e operação de aproximadamente 145 mil quilômetros de linhas de transmissão espalhadas pelo país, conectando os geradores aos grandes consumidores ou, como é o caso mais comum, às empresas distribuidoras. No Brasil, o segmento de transmissão é aquele que se caracteriza por operar linhas em tensão elétrica superior a 230 mil Volts.

O segmento de distribuição, por sua vez, é aquele que recebe grande quantidade de energia do sistema de transmissão e a distribui de forma pulverizada para consumidores médios e pequenos (varejo). Existem também unidades geradoras de menor porte, normalmente menores do que 30 MW, que injetam sua produção nas redes do sistema de distribuição. No Brasil, esse segmento é composto por 53 concessionárias, as quais são responsáveis pela administração e operação de linhas de transmissão de menor tensão (abaixo de 230 mil Volts), mas principalmente das redes de média e baixa tensão, como aquelas instaladas nas ruas e avenidas das grandes cidades. É a empresa distribuidora quem faz com que a energia elétrica chegue às residências e pequenos comércios e indústrias.

A transmissão e a distribuição de energia, no Brasil, têm seus preços regulados pela ANEEL, que é a agência reguladora do setor. Desse modo, essas empresas não são livres para praticar os preços que desejam, inserindo-se no contexto dos contratos de concessão, que usualmente contam com mecanismos de revisões e reajustes tarifários periódicos, operacionalizados pela própria agência reguladora.

O segmento de comercialização de energia é relativamente novo, tanto no Brasil quanto no mundo. Seu surgimento está relacionado com a reestruturação do setor elétrico, ocorrida na década de 1990, e seu papel muito mais relacionado ao contexto econômico e institucional do que propriamente ao processo físico de produção e transporte da energia.

No Brasil, o primeiro contrato de comercialização de energia elétrica, nos moldes do novo modelo, ocorreu em 1999, aproximadamente dois anos após a criação da ANEEL. Atualmente, existem aproximadamente 270 agentes de comercialização de energia elétrica no Brasil, muitos deles atuando como intermediários entre usinas e consumidores livres.

Alguns pesquisadores dividem o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro em cinco períodos. O primeiro deles se inicia na Proclamação da República, em 1889, e termina no início da década de 1930. Neste período, a economia brasileira caracterizava-se pela produção de produtos primários para a exportação, tendo como principal fonte energética o carvão vegetal. Com o desenvolvimento da indústria do café, iniciou-se um processo de urbanização que resultou no aumento do consumo de energia elétrica para a iluminação pública, mas de forma ainda incipiente.

O segundo período estendeu-se de 1930 a 1945, e foi caracterizado pelo enfraquecimento do modelo agrário/exportador e pela aceleração do processo de industrialização. O Estado promoveu uma maior regulação do setor, por exemplo, promulgando o Código de Águas (em 1934), que transmitiu à União a propriedade das quedas d’água e a exclusividade de outorga das concessões para aproveitamento hidráulico. Neste mesmo período, introduziu-se também um sistema tarifário sob o regime de “custo do serviço”.

O terceiro período iniciou-se no pós-guerra e se estendeu até o final da década de 1970, sendo caracterizado pela forte e direta presença do Estado no setor elétrico, principalmente por meio da criação de empresas estatais em todos os segmentos da indústria. Para se ter uma ideia do nível de investimentos realizados nesta época, a potência instalada no país passou de 1.300 MW para 30.000 MW em pouco mais de 20 anos.

O quarto período iniciou-se na década de 1980 e foi marcado pela crise da dívida externa brasileira, que resultou em altos cortes de gastos e investimentos pelo governo. As tarifas de energia, que eram iguais para todo o país, foram mantidas artificialmente baixas como medida de contenção da inflação, não garantindo às empresas do setor uma remuneração suficiente para o seu equilíbrio econômico. Também vigorava a equalização tarifária entre todos os estados brasileiros, provocando subsídios cruzados entre empresas eficientes e ineficientes. Tal situação adversa criou condições para a proposição de um novo paradigma para o setor elétrico, assim como ocorreu também para outros setores de infraestrutura no país, como o de telecomunicações.

Nesse contexto, iniciou-se o quinto período do desenvolvimento da indústria de eletricidade no Brasil, que perdura até os dias atuais. Em meados da década de 1990, a partir de um projeto de reestruturação do setor elétrico, denominado RESEB, o Ministério de Minas e Energia preparou as mudanças institucionais e operacionais que culminaram no atual modelo do setor. Esse baseou-se no consenso político-econômico do “estado regulador”, o qual deveria direcionar as políticas de desenvolvimento, bem como regular o setor, sem postar-se como executor em última instância. Assim, muitas empresas foram privatizadas e autarquias de caráter público e independente foram criadas, como é o caso da própria agência reguladora, a ANEEL.

Apesar das reformas, o novo modelo não garantiu a suficiente expansão da oferta de energia, levando o país a um grande racionamento em 2001. Alguns estudiosos do setor atribuem o racionamento, entre outros fatores, à falta de planejamento efetivo e também de monitoramento eficaz centralizado. Foi então, a partir de 2004, que novos ajustes ao modelo foram feitos pelo governo com o intuito de reduzir os riscos de falta de energia e melhorar o monitoramento e controle do sistema. Os princípios que nortearam o modelo de 2004 foram: a segurança energética, a modicidade tarifária e a universalização do atendimento.

Apesar de alterações significativas em alguns mecanismos inicialmente previstos, como o de compra de energia por parte das distribuidoras, pode-se dizer que a espinha dorsal do modelo dos anos 1990 foi preservada em 2004. Todavia, um novo capítulo na história do setor elétrico iniciou-se com a Medida Provisória 579, de setembro de 2012. Nessa MP, posteriormente convertida na Lei 12.783/2013, empresas geradoras e transmissoras puderam renovar antecipadamente seus contratos de concessão desde que seus preços fossem regulados pela ANEEL. Principalmente devido à regulação dos preços das geradoras que aceitaram os termos da MP, observou-se significativa mudança no contexto institucional do setor elétrico: empresas geradoras que outrora atuavam em ambiente competitivo passaram a ter seus preços regulados, da mesma forma que já ocorria com as distribuidoras e transmissoras, consideradas monopólios naturais.

Com efeito, de forma sintética, podemos dizer que o setor elétrico brasileiro é atualmente caracterizado por:

  • Desverticalização da indústria de energia elétrica, com segregação das atividades de geração, transmissão e distribuição.
  • Coexistência de empresas públicas e privadas.
  • Planejamento e operação centralizados.
  • Regulação das atividades de transmissão e distribuição pelo regime de incentivos, ao invés do “custo do serviço”.
  • Regulação da atividade de geração para empreendimentos antigos.
  • Concorrência na atividade de geração para empreendimentos novos.
  • Coexistência de consumidores cativos e livres.
  • Livres negociações entre geradores, comercializadores e consumidores livres.
  • Leilões regulados para contratação de energia para as distribuidoras, que fornecem energia aos consumidores cativos.
  • Preços da energia elétrica (commodity) separados dos preços do seu transporte (uso do fio).
  • Preços distintos para cada área de concessão, em substituição à equalização tarifária de outrora.
  • Mecanismos de regulação contratuais para compartilhamento de ganhos de produtividade nos setores de transmissão e distribuição.

Já vimos que o setor elétrico brasileiro passou por reformas institucionais recentes, ocorridas entre 1995 e 2004. Essas reformas culminaram na atual estrutura de funcionamento do setor, concebida sob um ideal de equilíbrio institucional entre agentes de governo, agentes públicos e privados.

Em linhas gerais, o esquema a seguir ilustra o mapeamento organizacional das instituições que dão corpo ao setor elétrico nacional.

 

No setor elétrico brasileiro, existem agentes de governo responsáveis pela política energética do setor, sua regulação, operação centralizada e comércio de energia. Efetivamente, os agentes diretamente ligados à produção e transporte de energia elétrica são os de geração, transmissão e distribuição.

As atividades de governo são exercidas pelo CNPE, MME e CMSE. As atividades regulatórias e de fiscalização são exercidas pela ANEEL. As atividades de planejamento, operação e contabilização são exercidas por empresas públicas ou de direito privado sem fins lucrativos, como a EPE, ONS e CCEE. As atividades permitidas e reguladas são exercidas pelos demais agentes do setor: geradores, transmissores, distribuidores e comercializadores.